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excesso e falta de desejo

A sexualidade humana é complexa e cheia de nuances. Não é à toa que questões ligadas ao sexo estão entre os principais motivos que levam as pessoas a procurar ajuda profissional. Mas é importante lembrar: nem toda dificuldade sexual é uma disfunção. Para tratar de forma adequada, é preciso diferenciar o que é sofrimento individual do que é sofrimento do casal. Entre as queixas mais comuns (e também uma das mais mal interpretadas) está a discrepância de desejo.

O que é Discrepância de Desejo?

Quando alguém diz que tem uma queixa sexual, geralmente está expressando um incômodo sobre como vive ou sente sua sexualidade. No caso do desejo, a discrepância aparece quando uma pessoa sente vontade de fazer sexo com mais ou menos frequência do que seu parceiro(a).

O problema não é “ter pouco desejo”, mas sim a diferença em relação ao desejo do parceiro, que pode gerar tensão no relacionamento. Por exemplo: se uma mulher relata ter pouco desejo porque o parceiro a procura com frequência e ela não está no mesmo ritmo, isso não significa que ela tenha um transtorno sexual que precise ser “curado”. O que está em jogo é a diferença entre os dois e o sofrimento que isso gera na relação.

Sofrimento Pessoal x Sofrimento Relacional

A discrepância de desejo pode provocar sofrimento intenso, especialmente quando vem acompanhada de sentimentos como rejeição, abandono ou sensação de não ser amado(a). Esse sofrimento tende a ser relacional, ou seja, surge mais a partir do que acontece na dinâmica do casal do que de algo “errado” que possa estar acontecendo em um dos dois.

Em casais com regras muito rígidas, como os que acreditam que desejo e amor precisam andar sempre juntos, o sofrimento pode se intensificar. Muitas vezes, o problema não está no corpo ou na mente de uma pessoa, mas nas expectativas criadas sobre como o desejo “deveria” se manifestar.

Influência da Cultura e dos Papéis de Gênero

O modo como cada sociedade entende a sexualidade tem grande impacto na forma como vivemos e sentimos o desejo. A masculinidade, por exemplo, costuma ser associada à ideia de que o homem deve estar sempre pronto para o sexo. Quando um homem não sente esse desejo tão frequentemente, pode se sentir inadequado, mesmo que não exista nenhuma disfunção.

Já para as mulheres, as recentes discussões sobre prazer feminino podem gerar pressão para que o homem tenha sempre ereções longas e dê conta de garantir o orgasmo da parceira. Esse cenário pode transformar a diferença de desejo em fonte de ansiedade e frustração para os dois. Estereótipos rígidos dificultam a espontaneidade, reduzem a comunicação sobre o que cada um realmente quer e aumentam as queixas sexuais.

Onde a Discrepância de Desejo é Mais Comum

  • Nos Relacionamentos de Longa Duração – É natural que, com o tempo, o desejo mude de intensidade ou de forma. O cotidiano, a convivência diária e a repetição podem diminuir o desejo espontâneo, dando espaço para um desejo responsivo, que é aquele tipo de desejo que surge quando há estímulo. Crenças como “se não tenho mais desejo sexual, é porque o amor acabou” só aumentam esse sofrimento.

  • No Envelhecimento – As mudanças hormonais e físicas afetam o desejo de homens e mulheres, mas nem sempre isso é visto como um problema. Curiosamente, muitas mulheres relatam menos sofrimento com a queda do desejo na velhice, talvez porque a pressão social sobre sua sexualidade feminina diminui quando a velhice vai se aproximando. Já para homens, a queda da testosterona ou da performance sexual pode ser mais difícil de aceitar, exigindo uma revisão das expectativas sobre como o sexo pode acontecer.

Diferença x Transtorno de Desejo

É fundamental que profissionais saibam diferenciar uma simples discrepância de um transtorno de desejo. Para haver um diagnóstico de transtorno do tipo “Transtorno de Desejo Hipoativo Masculino” ou o “Transtorno de Interesse/Excitação Feminino”, é preciso que exista uma diminuição persistente ou recorrente do desejo ou das fantasias sexuais, acompanhada de sofrimento clínico significativo para a própria pessoa.

Se existe apenas uma diferença entre os níveis de desejo do casal, sem sofrimento pessoal intenso, não há transtorno, provavelmente exista uma questão relacional que merece atenção.

Caminhos de Tratamento e Intervenção

O primeiro passo é escutar a queixa do paciente com atenção e sem julgamento. Mesmo quando não há um diagnóstico, o sofrimento é real e precisa ser acolhido. Depois, é importante olhar para o contexto como um todo (as regras e crenças do casal, a maneira como lidam com o desejo) e não focar apenas em um dos dois de forma isolada. Para muitas mulheres antes da menopausa, a psicoterapia é a melhor porta de entrada, ajudando a trabalhar comunicação, crenças e emoções. Quando a dificuldade envolve os dois, faz diferença que ambos participem do processo, para negociar acordos e flexibilizar a forma como vivem o desejo. Explicar que existem vários tipos de desejo (espontâneo, responsivo, solitário, em casal) ajuda a normalizar a experiência e diminuir a culpa. Também é essencial desenvolver a capacidade de falar de desejos e limites com clareza e respeito, o que melhora a intimidade e evita ressentimentos. O casal pode explorar novas formas de prazer e intimidade, encontrando o que faz sentido para o momento de vida em que estão. E é sempre preciso ajustar as expectativas à realidade, considerando valores pessoais, conjugais e familiares. Por fim, o profissional deve estar atento para perceber quando a queixa de desejo esconde situações de coerção ou violência sexual, que precisam ser tratadas com cuidado e prioridade.

Para Concluir

A discrepância de desejo é parte natural da vida sexual e aparece em diferentes momentos da vida, especialmente em relacionamentos duradouros e no envelhecimento. Em vez de tratar a diferença como um problema médico, o ideal é entendê-la como um convite para rever expectativas, melhorar a comunicação e criar formas de intimidade que façam sentido para o casal. O objetivo não é forçar que os dois tenham o mesmo nível de desejo, mas reduzir o sofrimento, aumentar a conexão e respeitar a autonomia de cada um. Uma vida sexual satisfatória, adaptada a cada fase da vida, é um pilar importante para o bem-estar e a qualidade de vida.

Se a discrepância de desejo tem causado sofrimento para você ou para a sua parceria, considere entrar em contato para tratar esse problema. Fico à disposição.

Marcio Gadelha

Especialista em Sexologia e Sexualidade Humana

Especialista em Terapia Cognitiva Sexual