Falar sobre sexo ainda é difícil. Não porque falte interesse ou necessidade, mas porque sobra vergonha, receio e, muitas vezes, despreparo. Embora a Organização Mundial da Saúde reconheça a saúde sexual como parte fundamental da saúde integral, a prática clínica no Brasil ainda caminha devagar nesse campo. O que mais ouvimos nos corredores, nas supervisões e nos relatos de pacientes é o silêncio; um silêncio desconfortável, cheio de pausas e trocas de assunto sempre que o tema da sexualidade começa a surgir.
Esse silêncio não é casual. Ele é aprendido. Crescemos ouvindo que certas palavras não se dizem, que certas sensações devem ser ignoradas, que certos desejos são “errados”. Internalizamos, desde cedo, a ideia de que falar sobre o corpo, sobre prazer, sobre limites e desejos é algo sujo ou embaraçoso. Esse aprendizado molda não só a forma como vivemos nossa própria sexualidade, mas também como nos posicionamos diante da sexualidade do outro — inclusive no setting terapêutico.
No consultório, esse tabu ganha roupagem profissional. Muitos profissionais evitam o tema não porque não o considerem relevante, mas porque não se sentem à vontade ou preparados para lidar com ele. O resultado é um ciclo de evitação: o paciente percebe o desconforto do profissional, evita tocar no assunto, e ambos seguem contornando o elefante no meio da sala. Com isso, dores importantes seguem sem nome, sem escuta, sem cuidado.
Essa ausência de formação adequada em sexualidade nas graduações da área da saúde é parte central do problema. A maioria dos cursos ainda negligencia esse campo, tratando-o de forma superficial ou moralista. E quando a sexualidade aparece, muitas vezes é reduzida a riscos, doenças, anatomia. Fica faltando o que é mais humano: o desejo, o afeto, a vergonha, os conflitos, a identidade, os mitos. Fica faltando escuta.
Romper esse silêncio exige mais do que boa vontade. Exige conhecimento técnico, sim, mas exige também uma postura ética e aberta diante da diversidade sexual e dos sofrimentos que ela pode carregar. Exige a disposição de escutar o outro sem julgamento — e de revisitar os próprios desconfortos e preconceitos. Falar sobre sexo com naturalidade, empatia e competência é, mais do que uma habilidade clínica, uma forma de cuidar de forma integral.
A saúde sexual não é um luxo. É parte essencial do bem-estar físico, emocional e relacional. Quando deixamos de nomeá-la, adoecemos em silêncio. Quando o consultório vira um espaço onde o corpo não tem voz, o cuidado se torna incompleto. Por isso, mais do que técnicas, precisamos de coragem para ouvir, para perguntar, para acolher. O que está em jogo, no fim das contas, é a possibilidade de uma vida mais plena, mais conectada e mais verdadeira para quem busca ajuda. E essa vida começa, muitas vezes, por uma simples pergunta: “você se sente bem com a sua sexualidade?”
Marcio Gadelha
Especialista em Sexologia e em Terapia Cognitiva Sexual